Leilões do pré-sal a serviço da reindustrialização

Rodrigo Leão, William Nozaki
Valor Econômico

Vale rememorar que os regimes de cessão onerosa e partilha foram criados em 2010 a fim de evitar a exposição do pré-sal ao regime de concessões instituído pela lei do petróleo de 1997. Foto: Geraldo Falcão / Petrobras

 

As duas últimas rodadas de licitação de áreas do pré-sal tiveram resultados inesperados. Por um lado, favoreceram a Petrobras, que arrematou as principais áreas e assegurou um horizonte exploratório relevante, garantindo ainda o controle da operação. Por outro lado, o resultado frustrou o governo, que esperava contar com maior participação de petrolíferas estrangeiras e com maior arrecadação em bônus de assinatura.

Ao responsabilizar o marco regulatório do pré-sal pelo resultado, o governo reabriu o debate sobre o arranjo econômico-institucional de incentivo e proteção ao petróleo brasileiro. Mas, seria o regime de partilha a causa da perda de dinamismo dos últimos leilões do pré-sal?

Na rodada do excedente da cessão onerosa foram ofertadas quatro áreas da Bacia de Santos, mas apenas duas foram arrematadas, ambas pela Petrobras como operadora em um consórcio com a participação minoritária de 10% das chinesas CNOOC e CNODC. Nesse caso, a baixa adesão de outras grandes petrolíferas se deveu, em primeiro lugar, ao descasamento entre os retornos de curto-prazo esperados pelo governo e os riscos de médio-prazo mensurado pelas empresas. Em segundo lugar, respondeu à aceleração dos leilões, uma vez que boa parte das operadoras já adquiriu nos últimos anos um volume considerável de novas fronteiras exploratórias tanto no exterior como no Brasil.

Na sexta rodada de partilha do pré-sal, por sua vez, foram ofertadas cinco áreas das Bacias de Campos e Santos, nesse caso apenas uma foi arrematada, também pela Petrobras como operadora em uma associação com a CNODC que ficou com 20%. A desmobilização das principais majors do setor reforça a hipótese do descompasso entre a aceleração dos leilões realizados no Brasil e, comparativamente, a desaceleração na recomposição da carteira de E&P das principais petrolíferas.

Se o problema estivesse no regime de partilha, as cinco rodadas dessa modalidade realizadas entre 2013 e 2018 não teriam uma taxa de sucesso de 82%, vendendo 14 das 17 áreas ofertadas, contando com a participação de pelo dez petrolíferas estrangeiras em cada certame, tendo sempre entre 5 e 8 empresas vencedoras.

Defesa da livre-concorrência

Diante dos riscos e incertezas, contrariando a defesa ideológica da livre-concorrência feita pelo governo e reafirmando a dinâmica pragmática e oligopólica do setor, os certames recentes foram marcados por baixa competição entre as International Oil Companies (IOCs) e por intensa participação das National Oil Companies. Isso é resultado menos do regime regulatório proposto pelo Estado e mais das novas estratégias de mercado apresentadas pelas empresas. As IOCs, que intensificaram seu ritmo de compras de ativos de E&P no Brasil entre 2015 e 2018, tendem a desacelerar a realização de novas aquisições nesse segmento.

Com a intensificação da velocidade dos leilões nos últimos anos as grandes petrolíferas aumentaram significativamente o volume de petróleo brasileiro em suas carteiras. Segundo estimativas do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Exxon, Total e BP detém, respectivamente, cerca de 11 bilhões, 6 bilhões e 4 bilhões de barris de óleo nacionais, com a carteira carregada de projetos do pré-sal essas empresas devem agora se concentrar nos projetos de desenvolvimento das reservas já arrematadas.

Sendo assim, vale rememorar que os regimes de cessão onerosa e partilha foram criados em 2010 a fim de evitar a exposição do pré-sal ao regime de concessões instituído pela lei do petróleo de 1997, tendo como um dos seus principais objetivos, o adensamento do arco de ação da indústria nacional, principalmente em setores mais sofisticados. Ou seja, o modelo de exploração e o ritmo de realização dos leilões estavam associados à formação de competências e à capacidade de respostas da indústria nacional à demanda gerada pela exploração petrolífera.

No entanto, em 2016 mudanças regulatórias excluíram a obrigatoriedade de a Petrobras atuar como operadora com participação mínima de 30% nas áreas do pré-sal; e em 2017 alterações legislativas reduziram a obrigatoriedade de conteúdo local nos contratos de partilha de 37% para 18% na etapa de exploração e de 55% para 30% na etapa de desenvolvimento. A conjugação desses dois elementos reduziu a possibilidade de se utilizar a indústria do petróleo como motor de dinamização da própria industrialização nacional, criando uma estrutura produtiva mais exitosa e eficiente em converter commodities em recursos naturais estratégicos por meio da agregação de valor.

Maior contratação estrangeira

Ao mesmo tempo, desde 2017, observou-se o aumento da contratação estrangeira, por um lado, para o desenvolvimento das áreas já negociadas do pré-sal e pós-sal, e, por outro, pelas expectativas de investimentos das empresas estrangeiras a partir das novas fronteiras exploratórias.

Várias empresas já solicitaram à ANP a isenção do cumprimento do conteúdo local e, simultaneamente, já tem contratado progressivamente fornecedores estrangeiros para a exploração e desenvolvimento dos campos de petróleo. Um caso interessante é o da Equinor. A empresa norueguesa contratou a fornecedora Heerema para a construção de uma plataforma – com a finalidade de utiliza-lá no campo do pós-sal de Peregrino – executada no estaleiro da empresa em Vlissingen, na Holanda.

A redução no ritmo dos leilões pode ser vista como um problema quando o parâmetro de avaliação é o enxugamento da Petrobras ou o ajuste fiscal, mas o mesmo fenômeno pode ser encarado como uma oportunidade caso o critério de avaliação seja a reindustrialização nacional, nesse sentido o pré-sal segue abrindo possibilidades para o desenvolvimento do país.


William Nozaki é Coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Rodrigo Leão é Coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador-visitante do NEC da Universidade Federal da Bahia.

 

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico

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