O futuro do shale gas argentino e o papel dos Estados Unidos

Bruno Villela, Rodrigo Leão
Le Monde Diplomatique
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Além do pré-sal brasileiro, outros países têm potenciais importantes no campo petrolífero, como é o caso da Argentina. Estima-se que o país latino-americano seja detentor da segunda maior reserva mundial do shale gas

Os leilões do pré-sal realizados ao longo dos últimos dois anos marcaram a acelerada da entrada de empresas norte-americanas no setor de petróleo brasileiro. Nesse período, o Congresso Nacional e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) realizaram diversas mudanças nos marcos regulatórios do setor facilitando a entrada de empresas estrangeiras, com destaque para as norte-americanas, bem como diminuindo a participação da indústria nacional no processo de exploração do petróleo brasileiro.

Ao se observar de forma mais abrangente os movimentos das empresas norte-americanas, nota-se que episódios de instabilidade institucional e intensa pressão política em função do petróleo não são uma exclusividade do caso brasileiro, mas tem ocorrido em várias partes do mundo há muito tempo.

Na realidade, desde que o petróleo se tornou o principal combustível do mundo, os Estados Unidos exercem pressões sobre os países produtores a fim de garantir sua segurança energética, uma vez que a continuidade do êxito econômico norte-americano depende, entre outros fatores, da sua disponibilidade de petróleo, seja através de produção própria ou de importação de países produtores.

Mesmo que nos últimos anos, os Estados Unidos tenham aumentado consideravelmente sua produção de petróleo e gás com a descoberta das reservas de shale gas e tight oil, o declínio das reservas desse tipo de petróleo é muito acelerada, o que os obriga a buscarem desde já novas fontes no mundo. Ou seja, apesar da crescente importância do shale gas e do tight oil, a estratégia energética de longo prazo de Washington ainda depende das reservas internacionais de petróleo.

Potencial argentino

Nesse quadro, a América Latina se torna importante. Além do pré-sal brasileiro, outros países têm potenciais importantes no campo petrolífero, como é o caso da Argentina. Estima-se que o país latino-americano seja detentor da segunda maior reserva mundial do shale gas.

Mesmo com todo esse potencial, a Argentina sofre com falta de infraestrutura para produzir petróleo e gás. A região onde devem ser instalados os campos de produção é desértica e distante dos grandes centros urbanos, o que dificulta a chegada de água em volume suficiente, que é a matéria prima básica no processo de produção por fratura hidráulica (fracking). Há dificuldade também no escoamento da produção. Projetos de ferrovias e gasodutos estão atrasados e aguardam investimentos que devem ser privados e estrangeiros.

Em 2015, uma matéria do El Pais chamava a atenção para a necessária atração de investimentos e tecnologia estrangeira a fim de superar esses desafios. Em função da liderança dos Estados Unidos neste segmento, a empresa recém reestatizada YPF passou a firmar parcerias com as norte-americanas Chevron e Dow para a coordenar a exploração do shale gas argentino.

Recentemente, o liberal Mauricio Macri substituiu Cristina Kirchner na presidência da Argentina e tem realizado transformações importantes no setor de óleo e gás. Segundo Benedict Mander, correspondente do tablóide britânico Financial Times, a política de liberalização no setor de petróleo e gás tem sido implementada de forma célere por meio da eliminação de subsídios ao consumidor, aumento de tarifas, maior aderência do preço interno ao internacional do petróleo e, por fim, entrada de novos operadores na região de Vaca Muerta, como a ExxonMobil que ampliou sua participação de um para três projetos com a adição de Pampas de Las Yeguas I e Los Toldos I Sur, sem uma necessária associação com a YPF.

As mudanças setoriais também foram acompanhadas da ascensão de executivos em cargos-chave do setor energético argentino. O primeiro ministro de Energia do governo Macri foi Juan Jose Aranguren, importante executivo da Shell no país. Em uma de suas primeiras declarações, ele destacou que nos doze anos anteriores ao governo Macri importantes empresas como a ExxonMobil saíram do solo argentino.

Não restam dúvidas que recursos estrangeiros serão importantes para o desenvolvimento de Vaca Muerta em função da expertise norte-americana. No entanto, a questão que se levanta é se a prioridade dessa entrada será o desenvolvimento e a segurança energética argentina ou de terceiros países. A resposta dessa questão é importante pois é ela que guiará a intensidade, a forma e o controle da entrada de tais recursos. Ao se observar experiências históricas da influência norte-americana e as mudanças que têm ocorrido no país, parece bastante improvável que a prioridade será a segurança energética dos nossos hermanos.


Notícia publicada no portal Le Monde Diplomatique Brasil.

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